terça-feira, 7 de junho de 2016

Águas, conto fantástico

                Num dia de sol, bem no meio da avenida, o mundo parou para Tom.
            Tom tornou-se estático no meio de uma avenida. Paralisado de braços abertos, abraçava fumaça e sirenes, buzinas e conversas.
            Passava a luz do dia, a luz da noite, os relógios febris giravam seus ponteiros, sem cessar, nunca. Tom, de braços abertos no centro da avenida, também não cansava. Parado lá, sem chamar atenção daquela cidade tão presa em sua rotina, continuava na sua posição ereta, numa mistura entre Cristo e Lúcifer.
            Passados dois anos e, no topo de um prédio, uma menina debruçou-se no oitavo andar a observar o homem. Ela, com seus olhos quentes, observava Tom paralisado, dia e noite, sem parar. Pouco a pouco seus lábios se esticaram e seus dentes foram expostos. O homem, vendo que era observado pela menina, sorriu, como se a conhecesse há anos.
            E mais dois anos se passaram, e um terceiro indivíduo juntou-se à paisagem: uma senhora sentada na cadeira de balanço, sem se mover. E ela observava o homem no centro da avenida, que observava a garota que o observava, num círculo imperfeito, que não afetava a rotina da cidade.
            E chovia. Chovia como a muito não fazia na cidade, e, lentamente a água começou a cobrir o homem parado no centro da avenida, e também a senhora sentada na cadeira de balanço.
            E eles não se moviam, enquanto eram consumidos pela água da chuva e a água escorria dos olhos da menina parada no oitavo andar do prédio.

            Quando o homem ficou totalmente submerso, e a senhora também. A menina continuou observando o local onde Tom permanecia, mesmo que escondido pelas águas.

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