terça-feira, 2 de maio de 2017

Por que não ela?

Por que não ela?




            Por que não Mariana, que nas brincadeiras de escola sempre apresentava as melhores ideias e soluções para as discórdias. E bem ela que sempre tirava as melhores notas e adorava ajudar as professoras a carregarem seus livros de uma sala a outra.
            E logo ela, a menina morena de cabelos desgrenhados, que subia com agilidade em qualquer planta para colher os frutos mais maduros para si e seus amigos. Com seu jeito de moleque, participava de todas as peladas de final de semana com os meninos da rua, preferindo sempre atuar como atacante.
            Mariana, que chorou intensamente a passagem de sua mãe para terras as quais nem sonhamos definir, e anos depois, aos sábados, organizava a casa para sua madrasta cantando versos de festa e paixão.
            A menina que adorava cuidar de seus cães na fazenda, e levava-os passear pelas estradas de chão no final da tarde, acompanhando-os também na observação atenta do mundo ao seu redor.
            Por que não Mariana que concluiu seus estudos sendo minha colega até o final do Ensino Médio. A garota que cresceu e dividiu comigo as ansiedades do primeiro emprego e do primeiro salário.
            A mesma que me parabenizava no dia de meu aniversário, puxando minhas orelhas, enquanto contava a quantidade de anos que marcava cada data. Que adorava caminhar descalça pela grama do pátio imenso, não se importando com a terra e pó no seu andar.
            E a cada dia que passava ela ficava mais e mais linda, e eu perguntava, no silêncio de meus pensamentos, “por que não ela?” Mas as respostas deveriam estar tão e tão longe de mim, que nada ouvia. Nada recebia que calasse minha indagação.
            Num dia cinza, daqueles frios de inverno, eu vi Mariana pela última vez. Ela saiu de sua casa, vestindo um grosso e longo casaco preto, carregando nas mãos duas malas marrons. Enquanto ela partia, repetia incansavelmente seu nome sem dizer uma palavra. Meu olhar acompanhou-a perdendo-se entre a neblina. Escutei apenas o barulho do portão fechando.
            Voltei para dentro de minha casa, tentando aquecer algo que congelara em meu peito. Mas nenhuma bebida quente pôde quebrar o gelo de um coração partido. Por muito tempo observei em minhas lembranças aquela pintura Dantesca, trágica como Hamlet.

            Se eu pudesse voltar atrás, na tarde em que éramos jovens e o mundo resumia-se em uma árvore, um balanço, eu e ela, teria dito, ao ter sido interrogado por Mariana, que eu de fato não estava bem, que dentro de mim um sentimento nascera e há muito tentava evitar. Ao invés de tanto pedir para mim mesmo “Por que não ela?”, naquele momento teria gritado: por que não você ao meu lado para o resto da vida?

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