segunda-feira, 8 de março de 2021

As próximas gerações - dia da mulher

 Este conto diz mais no vácuo entre passado e presente do que na história redigida. Não precisamos repetir o que sofremos, pois é a única forma de se libertar às vezes.



    Quando Viviane nasceu, a família não comemorou muito. Sim, fora uma emoção o mistério da vida acontecendo diante dos olhos do marido, mãe, avó e a parteira. Mas os sorrisos encolheram-se um pouco ao ouvirem a frase:

    - É uma menina.
    Os parentes vinham visitar o casal, com mimos, expectativas e pitacos:
    - Não acredito! Não conseguiu fazer um varão! – exclamava o compadre.
    - E quem vai levar o sobrenome da família adiante? – questionava o avô.
    - Quero ver quando casar, a despesa que vocês vão ter... – comentava a comadre.
    - Vai ter que amarrar os gaviões – ria a sogra.
    E enquanto a menina crescia, a família aumentava. Os varões chegavam: José, Fabrício, Ernesto e Joaquim. Depois deste último, o útero da matriarca teve que ser retirado. Tornara-se, para seus pares, um pouco menos mulher e, para aliviar sua tristeza, cuspia palavras amargas na filha.
    E assim Viviane foi crescendo, e a cada dia aprendendo mais sobre lavar, secar, guardar e cuidar dos irmãos. Estudar? Para quê? Um casamento com um pretendente arranjado era mais que o suficiente para exercer seu papel na sociedade.
    Um dia o casamento lhe bateu a porta, como uma tempestade de verão repentina. Viviane se viu diante da reprise de uma vida que ainda não a pertencia, mas que parecia seu destino. Sabia que sua voz não era audível aos ouvidos da família, que seus sonhos eram guardados com as roupas e que varria para debaixo do tapete suas discordâncias e amarguras. Bom seria ser José, Fabrício, Ernesto e Joaquim, orgulho do pai, participantes dos negócios, que liam e faziam contas e comungavam de risadas folgadas após as refeições.
    Bem que ela quis fugir, enquanto o vestido branco lhe era apresentado, o salão da comunidade decorado e os detalhes organizados. Viviane ficava se imaginando lendo os poucos livros empoeirados na estante, trabalhando como os irmãos, apaixonando-se. Perdida entre pensamentos, quando se deu por conta estava no altar, diante de um homem que mal conhecia para concretizar um destino que não queria. Na hora que o padre perguntou se ela aceitava casar-se com Antônio Ridegatto, ela respondeu...
    - Mãe, que triste a vida da vovó. Ainda que os tempos mudaram. E eles foram felizes?
    - Ela foi uma ótima mãe. Ele foi um bom pai. Mas pouco se falavam e, como você se lembra, o vovô terminou a vida dormindo no quartinho de hóspedes.
    - Eu não me lembro deles conversando muito quando íamos lá nos domingos...
    - Pois é, então se você não quiser que eu escolha seu marido, trate de escolher bem seu namorado.
    - Ai mãe, ninguém mais faz isso.
    E numa risada uníssona, envolvidas num abraço, ambas agradeceram aos esforços de todas as avós, que a passos curtos e perseverantes, construíram os caminhos para as mulheres das próximas gerações.

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