Este conto diz mais no vácuo entre passado e presente do que na história redigida. Não precisamos repetir o que sofremos, pois é a única forma de se libertar às vezes.
Quando Viviane nasceu, a família não comemorou muito. Sim, fora uma emoção o mistério da vida acontecendo diante dos olhos do marido, mãe, avó e a parteira. Mas os sorrisos encolheram-se um pouco ao ouvirem a frase:
- É uma menina.
Os parentes vinham visitar o
casal, com mimos, expectativas e pitacos:
- Não acredito! Não
conseguiu fazer um varão! – exclamava o compadre.
- E quem vai levar o
sobrenome da família adiante? – questionava o avô.
- Quero ver quando casar, a
despesa que vocês vão ter... – comentava a comadre.
- Vai ter que amarrar os
gaviões – ria a sogra.
E enquanto a menina crescia,
a família aumentava. Os varões chegavam: José, Fabrício, Ernesto
e Joaquim. Depois deste último, o útero da matriarca teve que ser
retirado. Tornara-se, para seus pares, um pouco menos mulher e, para
aliviar sua tristeza, cuspia palavras amargas na filha.
E assim Viviane foi
crescendo, e a cada dia aprendendo mais sobre lavar, secar, guardar e
cuidar dos irmãos. Estudar? Para quê? Um casamento com um
pretendente arranjado era mais que o suficiente para exercer seu
papel na sociedade.
Um dia o casamento lhe bateu
a porta, como uma tempestade de verão repentina. Viviane se viu
diante da reprise de uma vida que ainda não a pertencia, mas que
parecia seu destino. Sabia que sua voz não era audível aos ouvidos
da família, que seus sonhos eram guardados com as roupas e que
varria para debaixo do tapete suas discordâncias e amarguras. Bom
seria ser José, Fabrício, Ernesto e Joaquim, orgulho do pai,
participantes dos negócios, que liam e faziam contas e comungavam de
risadas folgadas após as refeições.
Bem que ela quis fugir,
enquanto o vestido branco lhe era apresentado, o salão da comunidade
decorado e os detalhes organizados. Viviane ficava se imaginando
lendo os poucos livros empoeirados na estante, trabalhando como os
irmãos, apaixonando-se. Perdida entre pensamentos, quando se deu por
conta estava no altar, diante de um homem que mal conhecia para
concretizar um destino que não queria. Na hora que o padre perguntou
se ela aceitava casar-se com Antônio Ridegatto, ela respondeu...
- Mãe, que triste a vida da
vovó. Ainda que os tempos mudaram. E eles foram felizes?
- Ela foi uma ótima mãe.
Ele foi um bom pai. Mas pouco se falavam e, como você se lembra, o
vovô terminou a vida dormindo no quartinho de hóspedes.
- Eu não me lembro deles
conversando muito quando íamos lá nos domingos...
- Pois é, então se você
não quiser que eu escolha seu marido, trate de escolher bem seu
namorado.
- Ai mãe, ninguém mais faz
isso.
E numa risada uníssona,
envolvidas num abraço, ambas agradeceram aos esforços de todas as
avós, que a passos curtos e perseverantes, construíram os caminhos
para as mulheres das próximas gerações.
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