segunda-feira, 11 de março de 2019

PRISÃO PERPÉTUA


No Brasil temos uma legislação que não contempla a prisão perpétua. Na verdade, esta é uma discussão muito polêmica da atualidade. Tem cada pessoa que comete crimes horríveis, e cumprem uma breve pena para depois continuarem suas vidas normalmente, mesmo tendo tirado a de alguém para sempre.
Eu sou a favor da prisão perpétua. Existem casos que são inafiançáveis. E não escrevo somente daqueles crimes brutais, mas de algo que todos nós sofremos.
Deveria existir prisão perpétua para a pressa. Sim, na alta velocidade que as nossas vidas são guiadas, entramos em nossos carros, fizemos um caminho mecânico até o trabalho, retornamos dele cansados e dormimos, recomeçando a rotina no próximo dia.
Nesta pressa concretada na existência, não olhamos para os lados, e perdemos cada coisa... Há quem não viu aquela criança dando um beijo em sua mãe. Não vimos quando a namorada perdoou o namorado, e recebeu dele rosas vermelhas. Não deu tempo para presenciar o raio de sol esquentando as mãos do varredor de rua, bem cedinho nas calçadas, muito menos aquela menina feliz, pois os pais separados almoçarão, ambos, com ela.
Pior quando não vemos fatos da própria vida. Não pudemos ir ao aniversário de nossos irmãos, nem participarmos daquela janta que reuniu toda a família (talvez pela última vez). Por que não abraçamos mais nossos pais, quando ver eles todos os dias era mais uma rotina? Quantos “eu te amo” engolidos junto com a água da pressa e a falsa ilusão que tudo duraria para sempre.
Mas podemos ser felizes nas férias. Mas nessa época, nem se fala... Médicos para ir, compras para fazer, passeios para realizar. Quem se lembra de parar e respirar (você deve estar pensando: que bobagem respirar, eu faço isso todo o tempo), sentir o cheiro do verde, das águas, dos perfumes que se misturam. Respirar.
Ah, mas talvez não seja culpa da pressa, mas da falta de tempo. Será que se o dia tivesse trinta horas seria mais aproveitado? E se, acontecendo isso, o governo aumentasse a carga horária semanal dos trabalhadores, ou passássemos mais tempo dormindo... Dormindo por longas horas, dormindo para a vida lá fora.
De qualquer forma, o tempo também é o nosso vilão. Ocupamos nosso tempo comprando, trabalhando, dormindo, assistindo a vida dos outros na televisão, lendo sobre a vida alheia nos jornais, trabalhando, comprando, pagando, dormindo. Sem ressentimentos com o relógio, pobre injustiçado, apenas torna claro o que fazemos de nossos dias.
Outro elemento muito maligno é a noção de eternidade. Deveriam ter nos ensinado que nada dura para sempre. Quem sabe, desse jeito, ninguém mais dissesse “amanhã eu vou lá dizer que a amo”, “amanhã eu prometo que lhe visito”, “amanhã eu verei meus avós”...
Mas não existe prisão perpétua para esses inimigos da nossa vida. E a luta para nos mantermos longe deles é tão difícil, tão dura... Infelizmente a pressa para terminar esta crônica e viver o que o mundo tem para oferecer, abraçar meus pais e dizer que eu os amo, como nunca tive “tempo” para fazer é muito grande, preciso finalizar. Sorte daqueles que possuem mais que fotos para dizer o que guardam no coração... Na próxima crônica conversamos mais sobre a prisão perpétua.

O herói



Sim, ele era meu herói. No dia em que ele surgiu na minha vida, nada estava eu a esperar. Sentada no banco do ônibus, observava pela janela a metrópole acordar. Todos os dias inéditos no calendário, mas iguais para mim. Acordar, embarcar, desembarcar, trabalhar, embarcar, desembarcar, dormir.
E como todo herói percebeu que ali estava, vazio, o banco ao meu lado e minha alma naquele dia. Sentou-se perto de meu corpo e pouco virou seu olhar para mim. No trajeto até o centro, paramos na rodovia. Nenhuma explicação do motivo, nenhuma previsão de continuidade.
O meu herói, camiseta preta e calça jeans, tentou dormir ao meu lado, mas não o fez. Não era bonito, nem alto e forte. Mas, pouco importou.
De repente conversamos sobre o que não importava, sobre o que não nos pertencia, sobre o que precisávamos conversar num ônibus lotado.
            Em dois meses estávamos morando juntos. A família nunca reconheceu os poderes mágicos que ele possuía. Não entenderam. No dia em que sai de casa, deixei minha mãe e meus irmãos naquela pequena casa de madeira, e fiz questão de não olhar para trás.
            Logo estávamos em nosso castelo de alvenaria, numa floresta de concreto vertical. Mas, a cada beijo intenso, e carícia em meu corpo, tinha certeza que estava salva num castelo especial para nós dois.
            Larguei meu emprego, afinal, como ele dizia, princesas não precisavam trabalhar. Mantinha organizado nosso pequeno lar, tudo para agradar meu salvador nos momentos em que estava comigo. Mas, a rotina cruel nos mantinha cada vez mais distantes.
Meu herói dizia que ficava fazendo horas-extras no trabalho para poder colocar o arroz e feijão nos nossos pratos. Que o gato da luz nunca seria um problema, que sobreviver no morro era fácil para quem sabia as regras. Também dizia que era frescura desejar tantas coisas, no final, estar em seus braços era um grande presente.
            Toda a noite ele chegava tarde. Eu o esperava com o jantar aquecida, mas meu herói nunca comia, ia para cama cansado e dormia até o novo dia. Eu sei que não precisava, mas chorava baixinho para que ele não fosse interrompido com meus lamentos fúteis. Como era boba, sentir a dor de um vazio que não tinha razão de ser.
            O trabalho começou a sugar, como um grande dragão em chamas, os finais de semana que passávamos juntos. Sábados na loja de departamentos até tarde. Domingo participando de treinamentos para aprimorar-se na difícil lida laboral. E a solidão foi ocupando cada espaço de nossa casa, como um vilão poderoso e difícil de ser capturado.
            Um dia questionei meu ídolo sobre a distância entre nós. Sei que errei, fui uma tola. Mereci a mão pesada e fria em meu rosto. Doía mais que a solidão, mais que o olhar de meus familiares no dia em que saí de casa. E essa dor tornou-se mais presente, a cada madrugada em que o esperava acordada para pedir como havia sido o dia.
            Queria auxiliá-lo em suas missões, propus enfrentar com ele a batalha pela sobrevivência e voltar a ocupar um cargo em alguma empresa. Ele queria me preservar, uma dama como eu não deveria se expor a tantas pessoas insensíveis e perigosas. Expor-se sozinho à selva de concreto era suficiente.
            Tinha medo de sair, aos poucos acreditei que colocar o pé fora de casa poderia ser fatal. Minha companhia era a pequena televisão, que mostrava um mundo tão distante que nem conseguia mais compreender. Meu herói sabia de tudo, estava a frente de minhas crenças ingênuas. Nunca duvide, acredite e siga as regras.
            E então ele fez seu ato mais heroico para comigo. Naquela noite, entre afetos cortantes, perdi minha mobilidade das pernas. Mas ganhei asas.